A nova ordem do mundo – 1Deus abençoou Noé e seus filhos, e lhes disse: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra.[1] 2Sede o medo e o pavor de todos os animais da terra e de todas as aves do céu, como de tudo o que se move na terra e de todos os peixes cio mar: eles são entregues nas vossas mãos.[i] 3Tudo o que se move e possui vida vos servirá de alimento, tudo isso eu vos dou , como vos dei a verdura das plantas.[2] 4Mas não comereis a carne com sua alma, isto é, o sangue. 5Pedirei contas, porém, do sangue de cada um de vós. Pedirei contas a todos os animais e ao homem, aos homens entre si, eu pedirei contas da alma do homem.[3]
6Quem derrama o sangue do homem,
pelo homem terá seu sangue derramado.
Pois à imagem de Deus
o homem foi feito.[ii]
7Quanto a vós, sede fecundos, multiplicai-vos, povoai a terra e dominai-a.”[iii][4]
8Deus falou assim a Noé e a seus filhos: 9″Eis que estabeleço minha aliança[iv] convosco e com os vossos descendentes depois de vós,[5] 10e com todos os seres animados que estão convosco: aves, animais, todas as feras, tudo o que saiu da arca convosco, todos os animais da terra. 11Estabeleço minha aliança convosco: tudo o que existe não será mais destruído pelas águas do dilúvio; não haverá mais dilúvio para devastar a terra.”[6]
12Disse Deus: “Eis o sinal da aliança que instituo entre mim e vós e todos os seres vivos que estão convosco, para todas as gerações futuras: 13porei meu arco na nuvem e ele se tornará um sinal da aliança entre mim e a terra.[7] 14Quando eu reunir as nuvens sobre a terra e o arco aparecer na nuvem, 15eu me lembrarei da aliança que há entre mim e vós e todos os seres vivos: toda carne e as águas não mais e tornarão um dilúvio para destruir toda carne. 16Quando o arco estiver na nuvem, eu o verei e me lembrarei da aliança eterna que há entre Deus e os seres vivos com toda carne que existe sobre a terra.”
17Deus disse a Noé: “Este é o sinal da aliança que estabeleço entre mim e toda carne que existe sobre a terra.”
1. DO DILÚVIO A ABRAÃO
Noé e seus filhos[v] – 18Os filhos de Noé, que saíram da arca, foram Sem, Cam e Jafé; Cam é o pai de Canaã.[8] 19Esses três foram os filhos de Noé e a partir deles se fez o povoamento de toda a terra.
20Noé, o cultivador, começou a plantar a vinha. 21Bebendo vinho, embriagou-se e ficou nu dentro de sua tenda. 22Cam, pai de Canaã,[vi] viu a nudez de seu pai e advertiu, fora, a seus dois irmãos. 23Mas Sem e Jafé tomaram o manto, puseram-no sobre os seus próprios ombros e, andando de costas, cobriram a nudez de seu pai; seus rostos estavam voltados para trás e eles não viram a nudez de seu pai. 24Quando Noé acordou de sua embriaguez, soube o que lhe fizera seu filho mais jovem. 25E disse:[vii]
“Maldito seja Canaã!
Que ele seja, para eus irmãos,
o último do escravos!”
26 E disse também:
“Bendito seja Iahweh, o Deus de Sem,
e que Canaã seja seu escravo!
27 Que Deus dilate Jafé,[viii]
que ele habite nas tendas de Sem,
e que Canaã seja seu escravo!”
28Depois do dilúvio, Noé viveu trezentos e cinquenta anos. 29Toda a duração da vida de Noé foi de novecentos e cinquenta anos, depois morreu.
[2] Gn 1,29 // Dt 12,15s // 1Tm 4,3
[3] Lv 1,5+ // Ex 20,13+
[6] &Eclo 44,18 // &Is 54,9-10
[7] Ez 1,28 // Ap 4,3
[i] O homem é de novo abençoado e consagrado rei da criação, corno nas origens, mas não é mais um reinado pacífico. A nova época conhecerá a luta dos animais com o homem e dos homens entre si. A paz paradisíaca só reflorescerá nos últimos tempos (Is 11,6+).
[ii] Todo sangue pertence a Deus (cf. Lv 1,5+), mas sobretudo o sangue do homem, feito à sua imagem. Deus o vingará (ver já 4,10), e delega, para tanto, o próprio homem: a justiça de Estado, e também os “vingadores do sangue” (Nm 35,19+).
[iii] dominai-a”: reda, conj. (cf. 1,28); ” multiplicai”: rebû, hebr.
[iv] A aliança com Noé, cujo sinal é o arco- íris, e tende-se a toda a criação; a aliança com Abraão, cujo sinal será a circuncisão, interessará somente aos descendentes do Patriarca (Gn 17); sob Moisés, ela se limitará a Israel, exigindo, em contrapartida, a obediência à Lei (Ex 19,5; 34,27-28; 24,7-8+) e sobretudo a observância do sábado (Ex 31,16-17).
[v] Conjunto formado por urna notícia genealógica (vv. 18-19), um relato mais desenvolvido (vv. 20-27), e indicações cronológicas sobre a duração da vida de Noé depois do dilúvio (vv. 28-29), que poderiam ser o início da tábua das nações (10). Estes dois últimos versículos são de tradição sacerdotal, o resto de tradição javista. Os nomes dos três filhos de Noé, Sem, Carn e Jafé, e a própria ordem parece um dado fixo da tradição (cf. 5,32; 6,10; 7,13; 10,1). O inciso “Cam, pai de Canaã” (v. 19; cf. 22), da notícia inicial prepara o relato de 20-27 e por fim sua maldição (v. 25).
[vi] Cam não será mais mencionado e Canaã será o objeto da maldição dos vv. 25-27. Provavelmente seu nome figurava apenas no relato tradicional. Conforme o relato (v. 24), Canaã era o mais jovem dos três fi lhos de Noé, e a ordem portanto deveria ser Sem, Jafé e Canaã.
[vii] As bênçãos e as maldições dos Patriarcas (cf. caps. 27 e 49) são palavras eficazes que atingem um chefe de linhagem e se realizam em seus descendentes: a raça de Canaã será submetida a Sem, antepassado de Abraão e dos israelitas, postos sob a proteção especial de Iahweh, e a Jafé, cujos descendentes prosperarão à custa de Sem. A situação histórica seria a cio reinado de Saul e do começo do reinado de Davi, ocasião em que israelitas e filisteus dominavam sobre Canaã, e os filisteus tinham invadido urna parte do território de Israel. Muitos dos Padres viram aqui o anúncio da entrada dos gentios ( Jafé) para a comunidade cristã saída dos hebreus (Sem).
[viii] O hebraico faz um jogo de palavras entre Yafet e Yaft, “que ele dilate”.